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Nietzsche e o eterno retorno da "branquidade" na política, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Friedrich Wilhelm Nietzsche não é meu filósofo preferido. Mas há algo de autoria dele que realmente faz tremer qualquer brasileiro que vê e reflete sobre estas duas fotos justapostas:
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Refiro-me ao mito do eterno retorno.
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
A negra vestida de branco é um detalhe importante na foto. Evoca a poesia de Cruz e Souza, ele mesmo um negro hostilizado em razão de ser livre, poeta e abolicionista:
SONHO BRANCO 
De linho e rosas brancas vais vestido, 
Sonho virgem que cantas no meu peito!... 
És do Luar o claro deus eleito, 
Das estrelas puríssimas nascido. 

Por caminho aromal, enflorescido, 
Alvo, sereno, límpido, direito, 
Segues radiante, no esplendor perfeito, 
No perfeito esplendor indefinido... 
As aves sonorizam-te o caminho... 
E as vestes frescas, do mais puro linho 
E as rosas brancas dão-te um ar nevado... 

No entanto, Ó Sonho branco de quermesse! 
Nessa alegria em que tu vais, parece 
Que vais infantilmente amortalhado! !

A mortalha referida por Cruz e Souza no contexto atual pode ser o uniforme da babá negra que segue os passos dos ancestrais dela ao seguir os passos dos ancestrais dos donos dos ancestrais dela. Mas também pode ser a mortalha de um país cuja elite branca que se recusa a aceitar o resultado das eleições que atribuíram o poder a um partido de mestiços pobres. No perfeito esplendor indefinido...  do Brasil aqueles que acreditam simbolizar e ser  “...as rosas brancas..."que darão ao país "...um ar nevado...”  querem exercer um poder político que não tenha fundamento na "soberania popular".
O branco da mortalha poética, da babá e da República é aquele que veste os médicos que rejeitam o governo porque não conseguiram derrotar o Mais Médicos. É também a indumentária de gala dos soldados das PMs que matam pobres pardos e negros nas periferias das capitais de vários Estados brasileiros:
As manifestações de domingo, em que predominaram brancos vestidos de verde amarelo, não olham para o presente ou para o futuro do Brasil. Elas invocam no presente o passado do país para construir um futuro em que somente o passado terá lugar.
O sonho do “branqueamento da população” mediante a importação de matrizes camponesas européias (política de Estado na virada do século XIX para o século XX) se torna assim o pesadelo do “branqueamento da política” mediante a destruição das urnas no princípio do século XXI. Não é a toa que os manifestantes exigiram o retorno dos militares e rejeitaram as eleições. A maioria da população não é branca, nem vota necessariamente nos brancos que possuem “branquidade” (a quintaessência fundamental ao novo país que os inimigos do PT querem construir).
A um observador estrangeiro deve causar estranhamento o fato de a elite branca brasileira rejeitar Dilma Rousseff de forma tão virulenta. A presidenta eleita pelos brasileiros é branca de origem européia. O problema de Dilma Rousseff deve ser, portanto, outro. Suponho que, por apoiar e expandir políticas públicas que incluíram a população mestiça (Minha Casa Minha Vida, Ciência sem Fronteiras, etc...), ela seja odiada porque não tem “branquiadade”. Ela traiu sua cor e, portanto, é pior do que os mestiços que representa.
Geraldo Alckmin e Nero Richa, por outro lado, são indubitavelmente homens brancos com elevado teor de “branquidade”. A PM de um mata negros e pardos na periferia de São Paulo com uma regularidade industrial. A PM do outro espancou ferozmente estudantes e professores que ousaram acreditaram ser possível construir um país em que os governantes de raça pura atendem as demandas sociais dos mestiços.   
A questão nietzschiana que se coloca diante de nós neste momento é singela: 
É possível um futuro sem o eterno retorno ao passado colonial?  
Somente a maioria da população brasileira pode responder esta pergunta. Se ela se encolher diante das manifestações de domingo veremos o retorno dos palanquins odiosos, dos chicotes dolorosos, das senzalas nauseabundas e dos aldeamentos indígenas mistos desprovidos de soberania. Se a onda vermelha varrer o país no dia 18 de março o futuro poderá ser diferente do passado. 
Fonte: http://jornalggn.com.br/

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