E aí, capitão: é pra valer ou de faz-de-conta?
"Que país é esse, nós sabemos. Resta saber agora que GOVERNO é esse. Afinal, é pra valer ou de faz-de-conta? Quando vai ser possível confiar, já não digo nos governantes, mas, pelo menos, no Diário Oficial?"
Bolsonaro e o governo do vaivém
*Por Paulo José Cunha
O governo Bolsonaro precisa decidir de uma vez se assumiu pra valer ou se a nova equipe só está brincando de governar. Qualquer império ou governo, democrático ou não, em qualquer parte do mundo, à esquerda ou à direita, ao tomar decisões que mexem com a vida de milhões de pessoas, costuma se cercar de um mínimo de responsabilidade pra não ter de se desmentir logo adiante. Palavra de rei não volta atrás, diz o ditado. Mas em Pindorama todo dia a palavra do governo volta atrás, dá cambalhotas e se estripa nos contorcionismos mais alucinados.
O último puxa-e-estica ocorreu na pasta da Educação. Primeiro, o ministro envia uma recomendação no mínimo absurda recomendando que os diretores das escolas filmassem e mandassem pro MEC vídeos dos estudantes cantando o Hino Nacional. Terminava a mensagem usando indevidamente, por ser proibido, o slogan de campanha do capitão – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O ministro Ricardo Vélez levou tanta bordoada que o jeito foi dizer que errou e que apenas havia sugerido as filmagens. E que tinha usado indevidamente o slogan. Mas foi pouco, e ainda na semana passada soltou mais uma nota, agora sem o slogan e mudando de ideia sobre a remessa dos vídeos, sob a alegação de que o ministério não teria como armazená-los.
Puxa-saquismo dá na vista
Salta aos olhos, em primeiro lugar, o açodamento contido no primeiro ato, francamente uma ação de puxa-saquismo explícito ao presidente, com a repetição de seu slogan de campanha num contexto onde ele não cabia. No segundo ato, o ministro tropeça ao simplesmente dizer que cometeu um erro e estamos conversados, esquecido de que existe um país chamado Brasil, que espera de seus governantes, no mínimo, coerência em palavras e atos. Por último, a pérola final, um plágio descarado de FHC: esqueçam tudo o que eu escrevi, foi mal aí essa história do slogan e não tem de filmar mais nada porque iriam ser tantas imagens que não haveria como guardar. Desculpa fajuta, porque qualquer HD como esses que a gente compra ali na esquina tem espaço pra guardar vídeos até dizer chega. Aqui pra nós, mas não espalha: ao pedir a gravação dos vídeos, o ministério pretendia mesmo era usá-los mais adiante para trombetear o civismo das crianças da nova “Pátria amada Brasil” perfiladas, para enaltecer não a pátria, e sim o próprio governo, é ou não é?
Melhor ficar bem com o capitão
Pra não ficar atrás no puxa-e-estica, o ministro Sérgio Moro voltou atrás na nomeação da cientista política Ilona Szabó como integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, dois dias depois de nomeá-la. E não foi por descobrir que a professora não é competente ou coisa assim. Mas simplesmente porque sua nomeação causou “repercussões negativas”, como assinalou em nota oficial. Como se dissesse: “olha, gente, a moça entende do riscado. Mas os bolsomínios não gostaram porque ela é a favor do desarmamento, por isso eu apontei o olho da rua pra ela. Sabe como é: melhor ficar de bem com o capitão porque nunca se sabe, né?”. Antes de Moro fazer essa bobagem, o próprio capitão, ainda durante a fase de escolha dos ministros, acatou pedido da bancada evangélica e vetou o nome de Mozart Neves, que já estava praticamente convidado, para dirigir a pasta da Educação, nomeando no lugar dele o colombiano dos vídeos do hino.
Diz-depois-diz-que-não-disse-e-tudo-bem,-tá-oquêi?
Pra encerrar, umas cócegas na memória do leitor sonolento: só nos primeiros nove dias de governo o capitão foi e voltou nove vezes. Fez uma bobagem atrás da outra. Assinou o reajuste do mínimo quando seu ministro Onyx disse que só o faria dias depois. O mesmo Onyx foi usado para comunicar que o capitão havia “se equivocado” ao anunciar o aumento do IOF e a redução da alíquota do Imposto de Renda. Disposto a “despetizar” o governo, o capitão demitiu uma carrada de servidores, mas terminou tendo de readmitir 16 deles, senão a Comissão de Ética Pública não tinha como funcionar. Depois, eufórico, anunciou que o governo examinava a instalação de uma base militar americana no Brasil, anúncio que o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, se encarregaria de desmentir. (tudo bem que é um general desmentindo um capitão. Mas o capitão é... o presidente da república, tá oquêi?) Bolsonaro disse ter dúvidas sobre a manutenção do acordo entre a Embraer e a Boeing. Augusto Heleno deu declaração garantindo que o acordo estava sólido. Bolsonaro voltou atrás também na suspensão do processo da reforma agrária e na mudança do edital de compra de livros didáticos pelo Ministério da Educação.
E olha que nem deu tempo pra falar que o governo que se autoproclama anticorrupção cria corruptos... dentro de casa. (Aqueles filhos, que crianças peraltas, não?) Que jurou não negociar cargos e já começou a loteá-los. Que acabou de prometer um bônus de 5.000 realetas para os deputados que apoiarem a reforma da Previdência, tendo garantido que não haveria toma-lá-dá-cá. Que prometeu não nomear amigos ou correligionários e...
É pouco ou quer mais? Que país é esse, nós sabemos. Resta saber agora que GOVERNO é esse. Afinal, é pra valer ou de faz-de-conta? Quando vai ser possível confiar, já não digo nos governantes, mas, pelo menos, no Diário Oficial?
*Paulo José Cunha é professor, jornalista e escritor.
Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/
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