STF julga constitucionais as cotas raciais em universidades
Por unanimidade, ministros votaram a favor da reserva de vagas para negros no ensino superior
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, por unanimidade,
improcedente a ação que questionava o sistema de cotas raciais em
instituiçÔes pĂșblicas de ensino superior. Dez ministros votaram pela
constitucionalidade das cotas raciais: Ricardo Lewandowski, Luiz Fux,
Rosa Weber, CĂĄrmen LĂșcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes,
Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente Ayres Britto. O ministro
Dias Toffoli nĂŁo participa do julgamento porque deu parecer a favor das
cotas quando era advogado-geral da UniĂŁo.
Foram dois dias de julgamento. Na quarta-feira, apenas Ricardo Lewandowski,
relator da ação, concluiu que a polĂtica de cotas da Universidade de
BrasĂlia (UnB) Ă© constitucional e julgou “totalmente improcedente” a
ação do partido Democratas (DEM) que a questiona. Após o voto, o
presidente do STF, ministro Ayres Britto, encerrou a sessĂŁo que foi
retomada nesta tarde, Ă s 14h30.
Lewandowski afirmou que o Estado pode lançar mão de açÔes afirmativas
que atingem grupos sociais determinados, de modo a permitir-lhes a
superação de desigualdades históricas. O relator apontou que os
critĂ©rios objetivos, “pretensamente isonĂŽmicos”, do vestibular quando
empregados de forma linear em sociedades marcadamente desiguais como a
brasileira, acabam por consolidar ou até mesmo acirrar as desigualdades
existentes. Lewandowski também destacou que as açÔes afirmativas são
temporĂĄrias.
O ministro Luiz Fux abriu o segundo dia do
julgamento e seguiu Lewandowski, votando pela improcedĂȘncia da ação do
DEM. Fux elogiou o voto do relator e leu uma carta aberta do Centro
AcadĂȘmico da UERJ, que adota o sistema de reserva de vagas hĂĄ 10 anos.
Os alunos citam que a universidade se tornou um ambiente “mais
democrĂĄtico, menos desigual e, principalmente, mais brasileiro”. O
ministro também argumentou que opressão racial dos anos da sociedade
escravocrata brasileira deixou cicatrizes no campo da educação. “De
escravos de um senhor, (os negros) passaram a ser escravos de um
sistema”, ressaltou.
Durante a fala de Fux, a sessĂŁo deve de ser interrompida para a
retirada de membros da comunidade indĂgena que protestavam por nĂŁo
estarem sendo citados no tema das cotas raciais. A fala dos
participantes da tribuna nĂŁo Ă© permitida durante o voto dos ministros.
Ăndio expulso do STF ao tentar protestar durante o julgamento sobre cotas universitĂĄrias
A ministra Rosa Weber tambĂ©m considerou a polĂtica
de cotas constitucional. Na avaliação da magistrada, a disparidade
racial é flagrante na sociedade brasileira e, como a condição social e
histĂłrica especifica dos negros os afasta das mesmas oportunidades que
os brancos, a intervenção estatal para diminuir essa desigualdade é
valida. “Liberdade e igualdade andam de mĂŁos dadas. Para ser livre Ă©
preciso ser igual, para ser igual Ă© preciso ser livre”, destacou a
ministra.
CĂĄrmen LĂșcia tambĂ©m seguiu o relator e votou pela
improcedĂȘncia da ação contra as cotas raciais da UnB. Para a ministra,
as açÔes afirmativas não são a melhor opção, o ideal seria termos uma
sociedade na qual todos fossem igualmente livres para ser o que
quiserem. CĂĄrmen concluiu que as cotas da UnB nĂŁo colidem com a
constituição, mas ao contrårio, contribuem para todos se sentirem
iguais.
Joaquim Barbosa, vice-presidente do STF e o Ășnico
ministro negro da Corte, também acompanhou o voto do relator. Barbosa
destacou que sua opiniĂŁo sobre o tema jĂĄ Ă© de conhecimento pĂșblico e
inclusive foi objeto de um livro publicado hĂĄ 11 anos. O ministro
afirmou que as açÔes afirmativas sofrem resistĂȘncia, "sobretudo, da
parte daqueles que se beneficiam ou se beneficiaram da discriminação que
sĂŁo vĂtimas os grupos minoritĂĄrios". Ele ressaltou tambĂ©m que o
objetivo das açÔes afirmativas é combater a discriminação de fato,
arraigada na sociedade, e promover a harmonia e paz social.
O ministro Cezar Peluso iniciou sua fala dizendo que
seria desnecessårio acrescentar qualquer consideração ao voto do
relator, e acompanhou integralmente a decisĂŁo de Lewandowski. Para
Peluso, as açÔes afirmativas são um experimento que o Estado brasileiro
estå fazendo e que poderå ser verificado e aperfeiçoado.
Gilmar Mendes também julgou improcedente a ação,
mas apontou ressalvas ao modelo da UnB. Ele ressaltou o problema dos
chamados “tribunais raciais”, comissĂ”es que julgam se os alunos sĂŁo
negros ou nĂŁo e que ocasionalmente cometem erros, como nos casos de
candidatos irmãos que foram classificados com raças diferentes. O
ministro destacou as “enormes dificuldades na classificação” dos
estudantes e as poucas vagas nos cursos, que causam tensĂŁo entre os
candidatos – Direito na UnB, por exemplo, tem 50 vagas. Ele apontou em
seu voto que tem muitas dĂșvidas sobre o critĂ©rio puramente racial das
cotas, que permite distorçÔes socioeconĂŽmicas e pode “gerar perversĂ”es”
ao privilegiar pessoas negras ricas que tenham tido boas condiçÔes de
estudo.
Marco Aurélio também foi totalmente favoråvel as
cotas. O ministro recuperou a ideia de igualdade na histĂłria das
constituiçÔes e falou de como havia diferença entre o direito e a
realidade dos fatos. “AtĂ© chegar ao quadro de 1988, havia apenas
formalização da igualdade. Na atual constituição dita cidadã,
sinalizou-se mudança de postura”, disse citando a escolha de uso de
verbos que evidenciava uma tentativa de mudança de postura. Leu os
trechos “construir uma sociedade livre, justa e solidĂĄria”, “garantir o
desenvolvimento nacional, nĂŁo de forma estĂĄtica, mas ativa” e “Promover o
bem de todos sem preconceito”. Para ele "a neutralidade mostrou-se um
grande fracasso".
Celso de Mello acompanhou integralmente o
relator. "Esse julgamento Ă© sobre um dos mais importantes temas no
Brasil. Traduz o compromisso que o PaĂs assumiu ao assinar cartas
internacionais. Extrair a måxima eficåcia das declaraçÔes em ordem a
tornar possĂvel os ganhos sociais reconhecidos em favor de quaisquer
grupos Ă© dever de todos nĂłs".
O presidente do tribunal, Ayres Britto, falou por Ășltimo e adiantou o
seu voto com o relator antes mesmo de argumentar. "Quem nĂŁo sofre
preconceito pela cor da sua pele, nĂŁo se sente igual, se sente superior.
Nunca houve necessidade de constituição para beneficiar os hegemÎnicos,
sĂł foi proclamada igualdade para favorecer os desfavorecidos. Os
brancos e heterossexuais nunca precisaram de constituição."
Foto: AgĂȘncia Brasil
O presidente do STF, ministro Ayres Britto, e o relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski, durante o julgamento das cotas (25/04)
Apesar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
186, impetrada pelo DEM em 2009, ser especĂfica e questionar a
constitucionalidade do programa que reserva 20% das vagas da UnB para
negros, a decisĂŁo do Supremo determinarĂĄ jurisprudĂȘncia sobre as cotas e
influenciarå futuras decisÔes do Congresso Nacional sobre leis que
reservam vagas em universidades.
Junto dessa ação, hå um recurso feito por um estudante que alega ter
sido prejudicado com o sistema de cotas implementado pela Universidade
Federal do Rio Grande do sul (UFRGS). No Recurso ExtraordinĂĄrio 597.285,
de 2009, ele pede a inconstitucionalidade do sistema.
Os argumentos contra e a favor das cotas jĂĄ foram bastante debatidos
dentro do STF. Em 2010, o ministro relator da ação, Ricardo Lewandowski,
realizou audiĂȘncias pĂșblicas com especialistas em educação, professores
e advogados para tratarem do tema.
Primeiro dia
O primeiro dia do julgamento começou com a sustentação oral de
Roberta Fragoso, advogada do DEM, que argumentou que os critérios para a
definição da cor do estudante e que as cotas raciais estimulariam o
racismo ao dividir a sociedade em raças. Roberta citou ainda um estudo
que comprova que mesmo com a aparĂȘncia negra as pessoas podem ter a
maior porcentagem de sua ancestralidade europeia, como Neguinho da Beija
Flor e a ginasta Dayane dos Santos.
Em seguida, a procuradora federal Indira Quaresma falou pela UnB e
defendeu o sistema de cotas raciais da universidade por ser “reparatĂłrio
para corrigir as injustiças do passado”. A procuradora respondeu Ă s
crĂticas sobre a dificuldade de definir a raça de uma pessoa em uma
sociedade miscigenada afirmando que “os olhares brasileiros identificam
os negros em qualquer ambiente” e que as ciĂȘncias naturais nĂŁo sĂŁo
superiores Ă s ciĂȘncias sociais.
Pela Advocacia Geral da UniĂŁo, falou Luis InĂĄcio Lucena Adams, que
declarou improcedente a ação do DEM e defendeu as polĂticas de ação
afirmativa do governo federal. Adams destacou que o Brasil sempre
participou do compromisso de promover uma sociedade racialmente mais
igualitåria, mas que não realizou açÔes suficientes para tal. O
advogado-geral da UniĂŁo apontou ainda que o Brasil precisa enfrentar
este desafio para ser um paĂs de primeiro mundo.
Em seguida, falaram amigos da corte, representantes de movimentos
sociais que deram sua opiniĂŁo para auxiliar os magistrados a chegar a
uma decisĂŁo. A primeira parte do julgamento foi finalizada pela
vice-procuradora geral da RepĂșblica, DĂ©borah Duprah, que falou pelo
MinistĂ©rio PĂșblico Federal. Ela tambĂ©m pediu Ă corte a improcedĂȘncia da
ação e criticou o argumento de que as cotas deveriam ser somente para
estudantes pobres, lembrando que hĂĄ polĂticas de cotas para mulheres e
para deficientes fĂsicos sem o recorte social. “Por que essa questĂŁo
(social) sĂł aparece nas cotas raciais?”, provocou.
Prouni
Outra ação que estava na agenda do SFT para ser analisaria a partir
de quarta-feira Ă© o programa do governo federal que dĂĄ bolsas a jovens
de baixa renda em instituiçÔes privadas de ensino. A Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (Confenen) contra o programa alega que as
instituiçÔes filantrópicas, por determinação da Constituição Federal,
nĂŁo pagam impostos. Com as exigĂȘncias do MinistĂ©rio da Educação (MEC)
para a oferta de nĂșmeros mĂnimos de bolsas por elas, a entidade acredita
que a lei de criação do Prouni fere a constituição.
Fonte: www.ig.com.br
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