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Natal é simplicidade, não tem nada a ver com ostentação

Natal. "O menino veio ao mundo da forma mais simples e pobre, como se Deus quisesse dizer: olha, não é a riqueza, gente! Felicidade rima é com... simplicidade. Esse é o recado", avalia colunista
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"O menino veio ao mundo da forma mais simples e pobre, como se Deus quisesse dizer: olha, não é a riqueza, gente! Felicidade rima é com... simplicidade. Esse é o recado", avalia colunista

*Por Paulo José Cunha

O mais fascinante aspecto do Natal cristão é a mensagem da simplicidade que envolve cada momento do relato bíblico. Até os mais agnósticos não escondem o espanto diante de uma história que tem sua força numa narração que parece ir ao contrário do que seria de se esperar.

​Afinal, o nascimento de um menino que tem a dupla característica de ser Homem e Deus ao mesmo tempo, na tradição das histórias que a ela se assemelham, seja de outras religiões ou da própria literatura fantástica, deveria remeter ao surgimento de um ser dotado de superpoderes, muito rico e poderoso, filho de um reino próspero, com pais ocupando os mais elevados cargos, e com um trono pronto e acabado, à espera de seu futuro ocupante. Afinal, não seria o nascimento de um menino qualquer, mas do filho... de Deus!

Maria, grávida e sem ter onde se hospedar

Mas a história contada no texto bíblico vai em sentido oposto. Relata o momento em que um casal muito simples sai de casa para ir até sua cidade natal, Belém, pois o governo estava querendo saber quantos súditos havia no reino, por isso tinha decidido fazer um recenseamento. Não havia internet nem mesmo telégrafo para repassar informações. O jeito era se dirigirem à cidade onde haviam nascido pra dizer a um funcionário do governo quantos moravam em cada casa, quantos eram homens, quantos eram mulheres, essas coisas.

José e Maria eram gente simples, nada tinham de nobres. A Bíblia até fala que José descendia de Davi, o rei sábio. Mas não diz mais nada. Ela estava grávida, já pertinho de ter o filho. Por isso eles prepararam o burrinho, umas mudas de roupa, uns paninhos pro bebê que podia nascer a qualquer momento. E, cada um com seu cajado para se apoiar nas passagens mais difíceis, pegaram a estrada para Belém.

Mas não tinham feito reserva, não havia Bancorbrás nem Airbnb naquela época. Bateram de porta em porta, mas encontraram todas as pensões lotadas. Todo mundo tinha ido se registrar. Não havia acomodação. Fazer o quê?

Maria já começava a dar sinais do parto iminente. A saída foi aceitarem o convite para se ajeitar num estábulo, único espaço disponível, misturados a bois e cavalos. E parece que os estábulos eram construídos em grutas, porque há algumas citações nesse sentido. Até uma música natalina diz: “Eis na lapa (sinônimo de gruta) Jesus, nosso Bem”.

José, o carpinteiro pobre

É bom lembrar que José era um carpinteiro, desses que cortam madeira bruta pra fazer uma cerca, um mourão de curral, um assoalho ou uma porta rústica. Não era marceneiro, que é o profissional que fabrica móveis, esculpe peças elaboradas de decoração, cria objetos úteis para o dia-a-dia, como gamelas e martelos de madeira usados pra amaciar carne.

José era muito, muito pobre. Ele percebeu que o único móvel – se é que se pode chamar assim – capaz de receber um recém-nascido era a manjedoura, isso que por aqui a gente chama de cocho, onde se põe ração pros bichos comerem. Maria forrou o cocho com algumas palhas, envolveu o menino nos paninhos que havia trazido e estava pronto o berço do filho de Deus. Ali mesmo Maria deu à luz, sabe-se lá em que condições.

Fazia frio naquela noite, embora não nevasse nem chovesse. Tanto que alguns relatos dão conta de que foi o bafo do burro e da vaquinha que estava na estrebaria que garantiu o calor para o recém-nascido.

Toda essa simplicidade contrasta diretamente com a ideia de que aquele menino era Deus. Ora, Deus pode tudo, é onipotente. Se desejasse, poderia ter mandado seu filho nascer num palácio, com toda a pompa e conforto, com dezenas de empregados à disposição, ricos perfumes, óleos raros e especiais, roupas delicadas e bem costuradas, ornadas com sofisticados bordados e tudo o mais.

Mas não. O menino veio ao mundo da forma mais simples e pobre, como se Deus quisesse dizer: olha, não é a riqueza, gente! Não é a riqueza! Felicidade rima é com... simplicidade. Esse é o recado.

O menino era pobre! Natal é festa de pobre!

Por isso espanta e aborrece ver representações do Natal com José e Maria vestidos com roupas finas e vistosas, cheias de pedras preciosas, ao contrário de tudo o que a Bíblia revela. É bom repetir: o menino veio ao mundo numa noite fria, foi deitado num cocho forrado com palhas e enrolado nos panos pobres que a mãe havia levado na viagem difícil que fizeram até Belém, onde foram se registrar, a mando do imperador César Augusto.

Natal, portanto, é recomeço, recriação, renovação. Renovação pela simplicidade. Pela humildade. Ora, se o próprio Deus, para quem crê nos ensinamentos da Bíblia, não quis riqueza para seu filho e o fez nascer na mais absoluta pobreza, por que se haveria de celebrar seu nascimento com pompa e riqueza, com ostentação, brilho e desperdício?

Portanto, crentes ou agnósticos, cristãos ou não cristãos, vamos nos abraçar e nos beijar, esquecer as diferenças e celebrar os valores maiores desta vida – o amor, a fraternidade, a caridade, a simplicidade, o afeto, o carinho, o respeito às diferenças, a tolerância e a certeza de que uma manjedoura, numa noite fria de Belém, onde um menino foi deitado há mais de 2 mil anos, tem mais a nos ensinar do que dezenas de professores, centenas de universidades, milhares de livros. Isso sim é a nossa festa! Isso é o nosso bem maior: o bem-querer que nos une e nos aproxima.

Ufa! Consegui escrever um texto sem falar mal de ninguém! Nem acredito!

Feliz Natal a todos!

*Paulo José Cunha é professor, jornalista e escritor.

Fonte:https://congressoemfoco.uol.com.br/

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