Header Ads

Direitos Humanos: grupo de Damares que vai revisar lei é recheado de militares. Com sociedade civil excluída e falta de transparência, policial rodoviário federal, religiosos e servidores sem relação com o tema estão entre os titulares do GT

Rafael Oliveira, Rute Pina
Grupo de Damares que vai revisar Política Nacional de Direitos Humanos tem militantes antiaborto e militar católico

Um militar aliado de alunos de Olavo de Carvalho; um advogado católico crítico das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre células-tronco, homofobia e aborto em casos de anencefalia; uma ex-assessora parlamentar contrária ao aborto mesmo em casos de estupro. São esses alguns dos nomeados por Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), para um grupo de trabalho que vai rever a Política Nacional de Direitos Humanos ao longo dos próximos meses.


Publicada em 10 de fevereiro, a Portaria nº 457 definiu que o grupo de trabalho irá “analisar aspectos atinentes à formulação, desenho, governança, monitoramento e avaliação da Política Nacional de Direitos Humanos, com vistas a oferecer recomendações para seu aprimoramento e de seus programas”. Damares definiu que o GT se reunirá semanalmente, com prazo de duração até 1º de novembro.


A atual Política Nacional de Direitos Humanos foi instituída pelo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) , discutido e aprovado durante o segundo governo Lula, em 2009. Entre os eixos orientadores do PNDH-3 estão a universalização de direitos “em um contexto de desigualdades”, o direito à memória e à verdade e a “interação democrática entre Estado e sociedade civil”, com “garantia da participação e do controle social das políticas públicas em Direitos Humanos”.


O ato da ministra que formou o grupo de trabalho definiu, ainda que o colegiado possa convidar, “representantes de entidades públicas e privadas com atuação na temática de direitos humanos”, mas que estes não terão direito a voto. O texto causou perplexidade nas organizações que atuam na defesa dos direitos humanos. Na quinta-feira (18), mais de 570 entidades assinaram um documento em repúdio à publicação e pedindo a anulação do grupo de trabalho criado por Damares.


Entre as organizações que assinam o documento, a Human Rights Watch afirma que a medida do MMFDH fere o princípio da participação social e da transparência. De acordo com Maria Laura Canineu, diretora da entidade no Brasil, o texto da portaria não está alinhado com normativas do direito internacional, do qual o país é signatário.


“O governo é obrigado a fornecer ao público acesso amplo à informação e, além disso, consultar comunidades interessadas quando formula políticas públicas que vão afetá-las. Então, qualquer política que possa ter impacto sobre direitos, por exemplo, de populações indígenas, deve ser feita em consulta com essas populações e outras minorias”, afirma.


Além disso, a portaria veda “a divulgação de discussões em curso pelos membros do grupo de trabalho antes do encerramento de suas atividades”. Na prática, o dispositivo impede que a sociedade civil e a imprensa tenham acesso ao conteúdo discutido por intermédio de instrumentos como a Lei de Acesso à Informação (LAI).


Portaria nº 458 , publicada no mesmo dia, definiu os 14 titulares do grupo de trabalho, além de 28 suplentes. Todos os indicados são assessores ou servidores do MMFDH, entre representantes de secretarias e outros setores da pasta, como a Diretoria de Planejamento e Gestão Estratégica e a de Projetos, Parcerias e Integração Institucional.


Militar católico


O escolhido para coordenar o grupo de trabalho é o secretário adjunto da Secretaria Nacional de Proteção Global do MMFDH, Eduardo Miranda Freire de Melo. Oficial superior da Marinha, Melo está no cargo desde dezembro de 2020, mas sua atuação no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) começou ainda no período de transição, em 2018. O militar participou das discussões acerca do Ministério da Educação (MEC), iniciando o mandato de Bolsonaro como secretário executivo adjunto da pasta.


Menos de três meses após o início do governo, porém, Melo foi exonerado do cargo no ministério, que vivia uma batalha entre o grupo de militares e o de apoiadores do ideólogo Olavo de Carvalho. Apesar da formação militar, a exoneração do oficial da Marinha foi apontada como parte de um “expurgo” de olavistas do MEC . Nas duas principais crises do ministério, na transição entre Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub e, depois, entre Weintraub e Milton Ribeiro, o nome de Melo foi defendido por alunos de Olavo de Carvalho para o cargo de ministro. 


Após a saída da pasta, ele passou a ser diretor-geral adjunto da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), uma organização social (OS) que esteve ligada ao governo federal até dezembro de 2019 . A Acerp é a responsável pela TV Escola e, até meados de 2020, geria a Cinemateca.


Sua experiência prévia aos cargos públicos é principalmente na área da educação: entre 2002 e 2009, foi diretor nacional da Mission Network, uma rede internacional católica que promove programas de formação e voluntariado, e da Catholic Youth World Network, voltada para jovens católicos. Em seguida, entre 2010 e 2013, esteve à frente do Everest International School, em Curitiba. As três organizações são ligadas ao movimento de apostolado Regnum Christi , associado à congregação católica Legionários de Cristo. 


O militar é ainda coordenador do curso de extensão “Pensamento conservador: fundamentos e prática” , oferecido pela Faculdade Inspirar, em Brasília. Entre os docentes do curso estão bolsonaristas e olavistas destacados, como o assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, o youtuber Bernardo Küster e a deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ). Além de conceitos e da história do conservadorismo, a ementa do curso inclui temas como “Mídias sociais e conservadorismo” e “O pensamento conservador frente ao globalismo”.


O currículo de Melo aponta que ele foi diretor-presidente do Instituto de Biopolítica Zenith e membro do Observatório Interamericano de Biopolítica, “onde atuou na Defesa da Vida e da Família” .

O presidente Jair Bolsonaro e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves

Pauta antiaborto


Também católico, o advogado Rodrigo Rodrigues Pedroso será o representante titular do gabinete ministerial no grupo de trabalho. Assessor especial da ministra desde janeiro de 2019, ele é membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp). Antes do cargo comissionado no MMFDH, Pedroso atuou na Procuradoria Judicial Trabalhista e fez parte do corpo jurídico da Universidade de São Paulo (USP).


Em mais de uma ocasião, o advogado defendeu posicionamentos contrários ao aborto. Em um debate acerca da decisão do STF sobre o uso de células-tronco em pesquisas, em 2008, ele apontou que a autorização era “um pretexto para a liberalização do aborto” . Anos depois, em 2016, Pedroso foi o responsável pela formulação da minuta de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com o objetivo de reduzir o poder do STF, propondo que o Congresso possa invalidar decisões do Supremo quanto à inconstitucionalidade de leis. A proposta do advogado , motivada pelas decisões do STF sobre células-tronco, união homoafetiva e aborto em casos de anencefalia, estabelece que é “vedado ao Supremo Tribunal Federal atuar como legislador positivo”. 


Também contrária ao aborto, mesmo nas situações previstas em lei, a advogada Teresinha de Almeida Ramos Neves é a representante da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres no grupo de trabalho. Ex-assessora parlamentar do deputado federal Gilberto Nascimento (PSC-SP) e dos vereadores paulistanos Pastor Edemilson Chaves (PTB), Gabriel Chalita (PDT) e Eduardo Tuma (PSDB), ela está na secretaria desde maio de 2020. Atualmente, ocupa o cargo de diretora do Departamento de Promoção da Dignidade da Mulher.


Candidata a vereadora em São Paulo pelo PSC em 2012, ela já comparou o aborto, mesmo em casos de estupro, a infanticídio : “Imaginem se todos que, a princípio, não têm condições financeiras para criar seus filhos optassem por matá-los, como se fazia antigamente… Ainda que o feto seja especial, resultado de estupro, a vida sobrepõe! Há vida desde a concepção, portanto, aborto é infanticídio!”. Em seu blog pessoal , Teresinha apontou o combate à homofobia como “perseguição religiosa” e questionou se “o Homossexualismo [sic] tem relação com abuso sexual ou rejeições na área sentimental”.


Entre os críticos da descriminalização do aborto, há pelo menos mais dois titulares do grupo de trabalho: Viviane Petinelli e Silva, representante do gabinete da secretaria-executiva, e Marcelo Couto Dias, da Secretaria Nacional da Família.


Número dois da secretaria-executiva desde julho de 2019, Viviane já defendeu, em uma audiência pública no STF, que a descriminalização do aborto até a 12ª semana pode afetar a dinâmica populacional e reduzir a arrecadação da Previdência . Na ocasião, representando o Instituto de Políticas Governamentais (IPG), ela afirmou que a descriminalização seria onerosa para os cofres públicos. 


Doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Viviane foi secretária nacional adjunta dos Direitos da Criança e do Adolescente do MMFDH entre janeiro e julho de 2019. Além disso, atuou como coordenadora de conteúdo da Rede Estadual de Ação pela Família , organização que atua “em defesa da vida e da família”.


Fonte:  https://ultimosegundo.ig.com.br

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.