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Os tribunais de faz de conta

Cada vez mais, os conselheiros que deveriam fiscalizar os governos estaduais são acusados de corrupção

Luiz Carlos Murauskas
ROBSON MARINHO  TCE DE SÃO PAULO
É investigado na Suíça e no Brasil por suspeita de receber propina para ajudar uma antiga empresa do grupo Alstom em contratos com o governo do Estado

A última quarta-feira de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), foi tomada por explicações sobre duas contas. Na primeira delas, ele convenceu seus colegas de corte de que não havia problemas na contabilidade do governo José Serra, em São Paulo, em 2008. Marinho foi o responsável pelo parecer que aprovou as contas de Serra, aceito por unanimidade pelos outros seis conselheiros do TCE-SP. Fora do tribunal, Marinho está envolvido num caso bem mais difícil de deslindar. Foi revelado na semana passada que o Ministério Público da Suíça conseguiu bloquear uma conta bancária supostamente pertencente a ele que, segundo investigações, poderia servir para guardar dinheiro de corrupção.
A suspeita, investigada por promotores na Suíça e no Brasil, é que Marinho tenha recebido propina para ajudar uma antiga empresa do grupo francês Alstom, com atuação nos setores de transporte e energia, num contrato de R$ 110 milhões com o governo de São Paulo. Robson Marinho nega ter conta na Suíça e diz que está sofrendo “um processo leviano de acusações sem fundamentos”. “Não há nenhuma conta em meu nome, nem na Suíça nem em nenhum outro país no exterior”, diz ele. “Estou sendo condenado sem ser julgado. Não sei de nenhum processo instaurado contra mim.” R$ 5 milhões foram repassados por Bittencourt à ex-mulher  na divisão dos bens, indício, segundo os investigadores,  de enriquecimento ilícito.
Encarregados de fiscalizar os governos estaduais e municipais, os conselheiros de Tribunais de Contas passaram, em muitos casos, nos últimos anos, da condição de investigadores para investigados em casos de corrupção. De norte a sul no país, há exemplos de conselheiros suspeitos de enriquecimento ilícito, de ter contas bancárias no exterior e de receber propinas de empresas. Aparelhados politicamente, pouco transparentes e com poder de paralisar negócios de centenas de milhões de reais, os Tribunais de Contas se transformaram, em muitos lugares, em balcões de negócios.
 Reprodução
EDUARDO BITTENCOURT DE CARVALHO  TCE DE SÃO PAULO
É suspeito de corrupção, enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Promotores investigam contas no exterior e imóveis (no detalhe, foto de prédio, em São Paulo, onde ele tem apartamento).“Os Tribunais de Contas fiscalizam os gastos do Executivo e podem vetar licitações, embargar obras, analisar pensões e aposentadorias. Têm um poder enorme, mas são ilustres desconhecidos da população”, diz Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. “Eles não são submetidos a nenhum controle externo, e isso abre espaço para a corrupção.”
No mesmo plenário onde se senta Robson Marinho, um colega dele, o conselheiro Eduardo Bittencourt de Carvalho, também está sob devassa do Ministério Público Estadual de São Paulo por causa de suspeitas de enriquecimento ilícito, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Segundo os promotores, com um salário mensal de R$ 21 mil, Bittencourt acumulou um patrimônio estimado em cerca de US$ 20 milhões.

A investigação contra Bittencourt começou em dezembro de 2007, após o Ministério Público ouvir o ex-funcionário do TCE-SP Ruy Imparato. Em depoimento, Imparato disse que Bittencourt enviou cerca de US$ 15 milhões para o exterior. Com a ajuda do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, os promotores dizem ter encontrado contas supostamente pertencentes a Bittencourt no banco Lloyds TSB, em Miami, Flórida, e no First Hawaiian, em Honolulu, Havaí, e uma transferência de US$ 2 milhões do Lloyds TSB para o Citibank, de Nova York.

Segundo a investigação do Ministério Público, contas no exterior não seriam a única forma de Bittencourt esconder sinais de riqueza. Uma das filhas do conselheiro, Cláudia Bittencourt Mastrobuono, deu um depoimento ao Ministério Público em que disse que o pai usa uma empresa para ocultar imóveis e automóveis de luxo. Ele é dono da Agropecuária Pedra do Sol em sociedade com a offshore Justinian Investment Holding, empresa aberta nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal. Em nome da Pedra do Sol estão registrados uma fazenda em Corumbá, Mato Grosso do Sul, avaliada em mais de R$ 1 milhão, e vários imóveis, como um apartamento no Morumbi, bairro de classe média alta de São Paulo, avaliado em R$ 750 mil e ocupado por Camila Bittencourt, filha do conselheiro.

O tribunal de Pernambuco criou ouvidoria para receber  denúncias e virou modelo de transparência.  Bittencourt nega ter contas no exterior e que sua evolução patrimonial seja incompatível com os rendimentos declarados à Receita Federal. Seu advogado Paulo Sérgio Santo André diz que as acusações seriam resultado de um ruidoso processo de separação da ex-mulher Aparecida Bittencourt de Carvalho, com quem Bittencourt travava uma briga pela divisão dos bens do casal. Segundo pessoas com conhecimento da investigação, o próprio acordo de divisão de bens seria um indício do enriquecimento suspeito de Bittencourt, já que ele teria repassado a Aparecida cerca de R$ 5 milhões em dinheiro e ações, fora imóveis.
O pivô da separação teria sido uma amiga mato-grossense de Bittencourt, Jackeline Paula Soares. Ela se mudou para São Paulo e conseguiu um empregão no TCE. Foi contratada como agente de segurança de fiscalização, ganhando pouco mais de R$ 2.500, mas logo foi promovida para o cargo de assessor técnico, com salário de R$ 17.300. Até vir para São Paulo, Jackeline era conhecida em Cuiabá, a capital mato-grossense, por dançar em boates e pela nudez exposta num ensaio fotográfico para o site da revista Sexy.

As suspeitas contra os conselheiros de Tribunais de Contas não são uma exclusividade paulista, como mostram várias operações feitas pela Polícia Federal nos últimos anos. Em 2007, a Operação Navalha, que desmontou um esquema de desvio de dinheiro de obras públicas da empreiteira Gautama, prendeu, em Sergipe, o conselheiro do Tribunal de Contas Flávio Conceição de Oliveira Neto. No mesmo ano, a Operação Jaleco Branco levou para a prisão o então presidente do Tribunal de Contas da Bahia, Antônio Honorato. Honorato foi acusado de pertencer a um esquema de fraudes de licitação e contratos de prestação de serviços de limpeza e segurança que teria desviado R$ 625 milhões do governo baiano. Em abril do ano passado, a Operação Pasárgada resultou em mais suspeitas contra conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (leia mais no quadro).

Qual é a razão para essa sucessão de escândalos e histórias suspeitas? Segundo os especialistas, está na própria forma como os membros dos Tribunais de Contas são selecionados – entre os integrantes da base de apoio político dos governadores. s “Os tribunais de contas no Brasil são órgãos totalmente políticos quando deveriam ser técnicos”, diz o cientista político Bruno Speck, da Universidade de Campinas (Unicamp). “O ideal seria que houvesse uma norma que determinasse a escolha dos membros dos tribunais entre os auditores de carreira.” A nomeação dos tribunais segue a seguinte regra: dois terços das indicações são de responsabilidade dos Legislativos estaduais, e um terço dos Executivos. A Constituição Federal recomenda que de cada três indicados, um deve vir do Ministério Público de Contas e o outro ser auditor de carreira. O problema é que a maioria dos governadores simplesmente ignora a Constituição e interpreta que não existe obrigatoriedade de segui-la, já que a lei diz que o Estado deve usar o critério “no que couber”. Em São Paulo nem sequer existe o Ministério Público de Contas. A norma é que os nomeados para os Tribunais de Contas Estaduais sejam um deputado da base aliada do governador ou um ex-secretário de governo.

Um dos sintomas da contaminação dos Tribunais de Contas por causa dos critérios de nomeação política aparece nos casos de corrupção sob investigação: os investigados eram na origem homens ligados aos governos que deveriam fiscalizar. Antes de ser nomeado para o Tribunal de Contas de São Paulo, Robson Marinho foi chefe da Casa Civil do governador Mário Covas (PSDB) e coordenador de sua campanha para o governo em 1995. Eduardo Bittencourt de Carvalho foi indicado pela Assembleia Legislativa, mas era deputado estadual da base do governo de Orestes Quércia. O conselheiro de Sergipe Flávio Conceição de Oliveira Neto, preso pela Polícia Federal na Operação Navalha, antes havia sido secretário de Estado. O governador do Paraná, Roberto Requião, indicou seu irmão Maurício Requião para o tribunal que ia fiscalizá-lo. A nomeação só não vigora até hoje porque o Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar, considerou ilegal a nomeação de Maurício, com base na Súmula Vinculante no 13, que proibiu o nepotismo.

Há pelo menos um Estado no país que parece ter avançado na direção de um modelo correto de Tribunal de Contas. Pernambuco instaurou mecanismos que melhoram a fiscalização e aumentam a transparência. Lá, as contas do órgão são publicadas para consulta na internet. Um sistema de ouvidoria permite que qualquer cidadão faça denúncias para os auditores. Quem denuncia – por telefone, internet ou pessoalmente – tem o anonimato garantido e recebe uma senha que permite o acompanhamento da verificação dos fatos. Auditores também percorrem os municípios para recolher denúncias. O site do tribunal tem uma “escola de contas”, que ensina os pernambucanos a conferir os gastos do poder público.

“Avançamos no trabalho preventivo. Aqui nós analisamos os editais de licitação e de concursos para evitar que os erros aconteçam”, diz o conselheiro Valdeci Pascoal. “Uma licitação irregular significa prejuízo aos cofres públicos. Quando um funcionário é aprovado de maneira irregular e toma posse, retirá-lo do cargo dá início a uma guerra jurídica. É melhor e mais barato prevenir”, diz Pascoal, auditor de carreira sem ligação com o governo atual nem com os anteriores. O TCE de Pernambuco também investiu em concursos públicos para evitar que o tribunal sirva de cabide de empregos. Esse é o caminho para transformar os Tribunais de Contas em órgãos de fiscalização efetivos: mais transparência e isenção política na escolha dos conselheiros.
De norte a sul
Em todo o país há conselheiros de Tribunais de Contas suspeitos de corrupção

Rejane Carneiro ANTÔNIO HONORATO
TCE DA BAHIA

Foi preso em 2005 na Operação Jaleco Branco, da Polícia Federal, que investigou desvio de verbas em contratos entre órgãos públicos e empresas prestadoras de serviços de limpeza e segurança.
Felipe O’Neill JOSÉ GRACIOSA
TCE DO RIO DE JANEIRO

Investigado numa CPI da Assembleia Legislativa fluminense e indiciado pela Operação Pasárgada, da Polícia Federal, é acusado de formação de quadrilha, corrupção, prevaricação e enriquecimento ilícito.
Beto Magalhaes ELMO BRAZ
TCE DE MINAS GERAIS

Indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de cobrar propina para aprovar contas das prefeituras de Minas Gerais. É suspeito também de praticar crimes contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro.
 Reprodução FLÁVIO CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA NETO
TCE DE SERGIPE

Foi preso na Operação Navalha, da Polícia Federal, em 2007, sob a acusação de fazer parte de um esquema de corrupção que desviou milhões em verbas públicas para a construtora Gautama.

 E fica uma pergunta para os nossos leitores: Será que estes cidadãos devolveram todo o dinheiro dos esquemas de corrupção e ainda estão presos?

Fonte: http://revistaautoesporte.globo.com

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