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Ações de Cunha são desacato ao povo, diz delator

Eduardo Cunha
"Se ele (Cunha) se tornasse presidente, seria o fim da nação", diz Júlio Camargo

Responsável pela delação que enredou o presidente da Câmara dos Deputados,Eduardo Cunha, na Operação Lava Jato, o empresário Júlio Camargo concedeu aCartaCapital sua primeira entrevista.

Foi ele quem confirmou em julho do ano passado que o parlamentar recebeu 5 milhões de dólares em propinas por conta de um contrato de um navio-sonda com a Petrobras. Para aceitar a entrevista, foram quatro meses de negociação.

Camargo está legalmente impossibilitado de falar sobre detalhes da delação, negociada com o Ministério Público Federal, mas na entrevista a seguir não se furta em falar do processo de impeachment, de figuras públicas, que vão de Cunha ao senadortucano Aécio Neves.

O empresário diz estranhar o fato de as investigações da Lava Jato contra integrantes da oposição não avançarem.
Após quatro meses de negociação, Camargo topou falar (Foto: Beto Barata/AFP)

CartaCapital: Como o senhor interpreta as últimas ações do deputado Eduardo Cunha?

Júlio Camargo: Acho um desacato ao povo brasileiro. Entendo e respeito os ditames do Judiciário. O que me espanta é a morosidade. São muitos fatos concretos sem nenhuma ação da Justiça a respeito.

CC: Cunha conduz o processo de impeachment.

JC: É surreal. De qualquer forma, tenho certeza, a verdade tarda, mas não falha. Vai chegar a hora do julgamento dele. Se a gente quer de fato mudar este país, o Cunha precisa ser extirpado do cenário.

CC: O impeachment seria a solução para a crise?

JC: Depende do day after. Quem será o novo presidente? O “grande jurista” e vice-presidente Michel Temer tem seu nome vinculado à Lava Jato. Se o Eduardo Cunha se tornasse o presidente, seria o fim da Nação. Tenho 64 anos e já fui convidado para morar fora do País. Nunca pensei, mas se o Cunha assumir o governo, não haveria alternativa.

CC: Por que o Cunha ainda não foi afastado ou preso?

JC: É um sujeito extremamente competente. Conhece o regimento da Casa muito mais que os outros parlamentares e se aproveita de todas as minúcias para procrastinar seu processo de cassação. Agora não vejo um final feliz para ele.

CC: O senhor tem sofrido ameaças?

JC: Não teve ameaça, mas mantive as cautelas possíveis. Posicionei-me de uma maneira reservada. Nem me expus em local público. Carro blindado, todo paulista tem de ter, em nome de sua sobrevivência e da família. Procurei me reservar, em uma atitude de respeito ao momento que o País vive.

CC: Mas o senhor chegou a sofrer agressões verbais em Angra dos Reis, não?

JC: Foi um sujeito alcoolizado. A mulher dele é sócia do mesmo clube e soube que é um sujeito desqualificado. Tem uma folha corrida imensa e tem o grande defeito do alcoolismo. É um frustrado. Minha posição só tende a beneficiar a sociedade. Fui um dos primeiros a colaborar com a Justiça. Não vejo alguém com uma condição melhor que a minha neste processo.

CC: A data do casamento da sua filha no fim do ano passado vazou na mídia. Quais foram as consequências?

JC: A festa não ocorreu. O evento foi maliciosamente divulgado. Era uma festa absolutamente familiar e tomei a decisão de não a realizar. Suspendi para preservar a integridade dos convidados. Houve uma cerimônia no civil.

Festa é uma coisa para comemorar, dar risada. Quando se tornou uma guerra nas redes sociais, diante das convocações de protestos, deixou de ser uma festa. Não poderia me expor nem aos meus amigos.

CC: O senhor teve problemas com a advogada Beatriz Catta Preta, conhecida pelas delações em série e pelos valores milionários cobrados dos clientes.

JC: A Beatriz foi muito importante. Convenceu-me a seguir esse caminho, da delação. Trata-se de um dos grandes acertos da minha vida, seguir o caminho da verdade, da colaboração com a Justiça em um processo que quem nega não tem futuro.

Camargo: Não votaria em Aécio de jeito nenhum (Foto: Ananda Borges/Câmara dos Deputados)
CC: Por que ela foi substituída na fase final do acordo?

JC: Ela mostrava-se cansada. Um processo como esse é de longa duração. São vários depoimentos e esclarecimentos. Comecei a sentir a ausência dela.

CC: Os honorários chegaram a 1,8 milhão de reais?

JC: Não posso falar.

CC: Houve pressão para citar nomes da delação?

JC: Nunca recebi nenhuma pressão para falar absolutamente nada. A delação foi absolutamente espontânea, dentro de uma análise de risco. Vou explicar qual. No momento em que o diretor da Petrobras, com o qual tínhamos relacionamento próximo, decide falar e o portador do pagamento confirma os relatos, não adiantava rodar, rodar, se você realmente corrompeu, participou da corrupção.

CC: O senhor continua a trabalhar?

JC: Trabalho desde os 15 anos de idade. No início carregava blocos de tijolo e concreto, mesmo sem precisar. Minha família nunca foi pobre, nunca me faltou nada, era uma coisa de garoto essas tarefas. Meu pai foi professor da USP, meu avô, ministro da Agricultura.

Em 1983 eu era representante da Pirelli na divisão de cabos. Fiquei lá até 2014. O falecimento do meu irmão, que cuidava desse assunto, e a Lava Jato interromperam essa trajetória. Isso gerou uma imagem totalmente controvertida. Nunca fui um operador. Não cuidava dos interesses de terceiro, mas dos meus negócios, para ter sucesso.

CC: Quando começou a transitar no meio político?

JC: Conhecer políticos fazia parte do dia a dia, é da sobrevivência do empresário. Quando se chega a certo nível, ou você conhece um político ou está fadado ao insucesso. Espero que isso mude depois da Lava Jato.

CC: O senhor observa alguma mudança?

JC: A decisão do STF de estabelecer a prisão após decisão de segunda instância já é uma mudança radical. Todos os grandes advogados criminalistas apostam na prescrição. Essa era a grande tecnologia.

CC: Há um clima de medo entre os empresários?

JC: Estão com medo, de verdade. O empresário é uma vítima. Em um determinado momento, ou ele adere ao sistema ou fica para trás.

CC: O sistema, como o senhor diz, sempre foi assim. Por qual motivo o PSDB e os partidos de oposição não têm aparecido nas investigações?

JC: Essa é uma das grandes perguntas. A opinião pública está desconfiada dessa falta de informação do lado dos partidos de oposição. Não há dúvida nenhuma de que a sistemática do PT foi simplesmente uma sequência. De uma maneira mais ou menos sofisticada, foi exatamente a mesma. Não saberia apontar o motivo.

CC: A Justiça lhe aplicou uma multa de 40 milhões de reais. O senhor cumpre algum tipo de restrição de direito atualmente?

JC: Meu acordo baseou-se em dois pilares. Meus bens não foram bloqueados e não tive restrição de liberdade. Como tenho pagado a multa, não comento outros detalhes. É confidencial.
O empresário é vítima. Em determinado momento, ou ele adere ao sistema ou fica para trás (Foto: Sérgio Castro/Estadão Conteúdo)
CC: Como está a sua relação com a Toyo Setal?

JC: Continuo como investidor da empresa, mas sem cargo executivo. Tenho debêntures, conversíveis em ações. Ainda não tomei a decisão sobre o que fazer com elas. Tenho três anos para decidir. 

Essa participação é de menos de 1% da Toyo Setal, uma das maiores empreiteiras do mundo. Entrei como debenturista por ter feito a aproximação entre a Setal, um grupo técnico de excelência aqui no Brasil, com a Toyo.

CC: Qual a solução para a crise política?

JC: Durante a visita a Cuba, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, falou uma coisa que me tocou profundamente: “Olha, vocês precisam aprender quem tem de tomar as decisões do seu país é o povo. Não é você ou seu irmão. Quem define os destinos de um país é o seu povo”.

Acredito nisso, apesar de ver alguns problemas legais difíceis de serem superados em relação a novas eleições. Primeiro seria preciso um grande acordo no Brasil. Uma hora é essencial recuperar o bom senso.

Dizer o seguinte: “Gente, vamos brigar mais para ficar com o osso na mão? Já acabou o filé mignon, a picanha, o cupim. Acabou tudo, só sobrou o osso. Não estaria na hora de o País se unir?” Tem de assumir: errei, errei, errei. Não vejo ninguém absolutamente correto nesse processo. A saída seriam novas eleições.

CC: O que o senhor diz do Aécio Neves?

JC: Está na mesma posição do Michel Temer, hoje sob suspeição. Não votaria no Aécio de jeito nenhum.

CC: E o Lula?

JC: O Lula foi o maior presidente da história do Brasil, ninguém pode dizer nada em contrário. É uma vítima de um processo eleitoral e do sistema político. Evidentemente ele foi muito mal assessorado durante os últimos anos, cometeu falhas.

Também não o considero apto a voltar à Presidência. Talvez ele e o Fernando Henrique Cardoso poderiam ser os articuladores de uma grande aliança nacional. Os dois precisariam, no entanto, se penitenciar, calçar as sandálias da humildade. 

*Reportagem publicada originalmente na edição 896 de CartaCapital, com o título "Desacato ao povo"

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