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Um ano de governo Temer: o imaginário que move a agenda do atraso



Janete Capiberibe *
O governo Michel Temer, que completa um ano nesta sexta-feira (12), contada a interinidade, demonstra ter inspiração claramente antipopular. Para defender a tese, não são necessários argumentos pretensamente técnicos, como os do governo, que esgrima um mal demonstrado “déficit” na Previdência Social, para justificar a amplitude e “urgência” do assalto aos direitos da população.

A tese se afirma de modo seguro e direto, se atentarmos para a evidência simples de que a chapa que venceu as eleições em 2014 tinha plataforma completamente distinta daquela que, agora, o Executivo implementa. Em contraposição frontal ao mandato outorgado, portanto, o mandatário executa a sua própria agenda, desdenhando do poder concedente e avocando para si, com tal atitude, a própria condição de “soberano”. Os que não gostam da palavra golpe precisam encontrar outra, portanto, que melhor se adeque à situação que o Brasil vive na prática.
É preciso, contudo, deixar a arena da macropolítica – em que estão, por suas escalas, as contrarreformas trabalhista e da Previdência – para entender a real extensão da natureza antipopular deste governo, que com a ampla desinibição de sua base parlamentar, transforma a barbárie da destruição de marcos regulatórios mínimos do Estado Nacional, em “processo de modernização”.
Comecemos, então, pela contrarreforma das relações trabalhistas no campo, que admite o absurdo do pagamento que não seja em espécie. Aqui, em primeiríssimo lugar, a sordidez de propor como mera possibilidade o que está vocacionado para se converter em regra geral: o trabalho remunerado por qualquer outra coisa que não seja dinheiro!
Ora, todos sabemos que esta lógica é a mesma que presidiu o Brasil das relações de servidão no campo e está vinculada à imigração, que se seguiu ao colapso do escravismo colonial. Como procedimento, diga-se de passagem, nunca foi inteiramente superado, como muito bem o demonstram os casos de trabalho análogo à escravidão, que se alimenta com dívidas contraídas por trabalhadores que, a sua vez, jamais recebem qualquer pagamento monetário.
Avançando para pauta ambiental, o rito de licenciamento é fragilizado, em nome de um imaginário amplamente retrógrado e ultrapassado, que vê a natureza sob a perspectiva de uma disponibilidade absoluta e inesgotável. Essa “modernidade governista”, que usa botas e chicote, luta por aprovar o Projeto de Lei 3.729/2004, que fragiliza os ritos de licenciamento ambiental, além de, obviamente, bater palmas para o contingenciamento de 43% do orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
Curioso que, aos poucos, a legislação ordinária e as práticas administrativas vão derrogando as previsões do Artigo 225 da Constituição Federal, que assegura que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Na questão fundiária, a terra é desinvestida da condição de pressuposto de toda e qualquer vida no planeta, reduzida à mais imediata venalidade e, consequentemente, se lhe aplicam os ditames dos mercados. Deste modo, a base governista se prepara para a tentativa de aprovar a permissão de venda de terras para estrangeiros, prevista nos Projetos de Lei 2289/2007 e 4059/2012; beneficiar a grilagem de terras, eliminar o conceito de uso social da terra e extinguir a reforma agrária com a MP 759/2016; além de reduzir as áreas protegidas e Unidades de Conservação, no âmbito das MP 756/2016 e 758/2016.
A ofensiva restauradora governista não estaria completa se não se dirigisse também ao intento de fragilizar os direitos territoriais indígenas, por meio das PEC 215/2000, que acaba com demarcação de Terras Indígenas e PEC 132/2015, que possibilita a indenização a ocupantes das mesmas.
O percurso realizado, que lista rapidamente o esforço legiferante da base governista – somado às previsões das contrarreformas trabalhista e previdenciária, não abordadas em seus detalhes aqui – demonstra não apenas a extensão e intensidade do ataque aos direitos fundamentais da gente brasileira, mas o imaginário que o move.
Estamos diante de um arranjo hegemônico que não apenas governa contra o povo, mas deseja fazê-lo, no futuro, sem referir-se a povo algum. Querem nos reduzir a gente desprovida de direitos, sem autonomia ou expectativa de emancipação, segura pelo cabresto firme do abandono à própria sorte.
Quando se diz, portanto, que a casa grande quer recuperar o protagonismo na vida política nacional, a locução casa muito bem com a mais imediata realidade. Um território sem povo, esse é o desejo final dessa elite do atraso, para a qual a força de trabalho deve ser reduzida à condição dos “semoventes” e a natureza, de disponibilidade irrestrita, pronta para ser espoliada e destruída. Este cenário de terra arrasada nos atingirá, como elite que são, pois poderão sempre conduzir de Miami, seus negócios em solo pátrio.
* Janete Capiberibe é deputada federal pelo PSB no exercício do quarto mandato eleita pelo povo do Amapá.

Fonte: http://congressoemfoco.uol.com.br

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