Governo defende no STF aposentadoria especial para deputados e ex-deputados
Marcos Correa/PR
Enquanto tenta retirar direitos dos trabalhadores na reforma da PrevidĂȘncia, governo quer manter regalias para parlamentares
Considerada uma das “leis imorais” do paĂs pelo ex-procurador-geral da RepĂșblica Rodrigo Janot, a norma que garante aposentadoria especial para deputados e ex-deputados ganhou o apoio do governo na Justiça. A Advocacia Geral da UniĂŁo (AGU) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer contrĂĄrio Ă ação de Janot contra o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSS), que favorece a aposentadoria dos atuais e de ex-integrantes da CĂąmara.
A manifestação ocorre no momento em que o governo busca angariar votos para os seus dois maiores desafios no Legislativo: barrar o andamento da mais nova denĂșncia criminal contra o presidente Michel Temer e para aprovar a reforma da PrevidĂȘncia, que reduz direitos e para os demais brasileiros. Criado em 1997, o PSSC garante aos parlamentares benefĂcios como aposentadoria integral, averbação de mandatos passados, atualização no mesmo percentual do parlamentar na ativa, a chamada paridade, acĂșmulo de benefĂcios que extrapolam teto constitucional, pensĂŁo integral em caso de morte e custeio das aposentadorias por conta da UniĂŁo.
Em parecer enviado ao Supremo, a advogada-geral da UniĂŁo, Grace Mendonça, defende a manutenção das regras atuais para os congressistas. A ministra alega que elas fazem parte das “prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo, tendo em vista a natureza polĂtica da função exercida”.
“Deve-se, ainda, salientar que a Constituição nĂŁo veda a criação de regimes previdenciĂĄrios especĂficos e nem limita a sua existĂȘncia aos modelos atualmente em vigor”, diz trecho do documento ao qual o site Jota teve acesso. “O texto constitucional nĂŁo permite necessariamente extrair-se uma interpretação restritiva, de que este Ă© o Ășnico regime possĂvel. Neste caso, entende-se que a previsĂŁo constitucional quis garantir Ă queles ocupantes de cargos sem vĂnculo efetivo que estes nĂŁo ficariam excluĂdos do amparo de um regime previdenciĂĄrio”, acrescenta a AGU.
Isonomia e republicanismo
O raciocĂnio da ministra Ă© oposto ao expressado por Janot na ação de inconstitucionalidade. Para ele, a aposentadoria especial para parlamentares contraria o princĂpio da isonomia previsto na Constituição. “Ă inadmissĂvel elaboração de leis imorais, cujo Ășnico propĂłsito seja privilegiar alguns poucos indivĂduos, locupletando-os injustificadamente Ă custa das pessoas que sustentam financeiramente o Estado com seu trabalho”, argumenta.
CaberĂĄ ao ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, decidir se concede liminar (decisĂŁo provisĂłria) antes do julgamento do mĂ©rito do processo. O pedido da medida cautelar foi feito por Janot para evitar que ex-parlamentares continuem a receber benefĂcios indevidos, lesando segundo ele, os cofres pĂșblicos.
“A manutenção do plano de benefĂcios especial dos parlamentares ofende persistentemente a noção de republicanismo e isonomia que a sociedade deve nutrir, com o que degrada o ambiente institucional e a credibilidade do sistema representativo”, ressalta o ex-procurador.
Casta
Na avaliação da PGR, as aposentadorias especiais distinguem indevidamente determinados agentes polĂticos dos demais cidadĂŁos e “cria espĂ©cie de casta, sem que haja motivação racional – muito menos Ă©tica – para isso”. O MinistĂ©rio PĂșblico entende que, mesmo durante a ocupação de cargos pĂșblicos, Ă© desejĂĄvel que os mandatĂĄrios do povo sejam tanto quanto possĂvel tratados com direitos e deveres idĂȘnticos aos dos demais brasileiros.
“NĂŁo hĂĄ critĂ©rio razoĂĄvel e proporcional capaz de legitimar tratamento privilegiado em favor de ex-membros do Congresso Nacional, os quais somente exerceram mĂșnus pĂșblico temporĂĄrio – conquanto da mais alta relevĂąncia e nobreza, quando dignamente exercido –, plenamente conscientes disso”, defende Janot.
Ainda na ação, o ex-procurador argumenta que, desde a Emenda Constitucional 20/1998, todos os ocupantes de cargos temporĂĄrios, inclusive agentes polĂticos, se tornaram contribuintes obrigatĂłrios do Regime Geral de PrevidĂȘncia Social (RGPS). Por isso, acrescenta Janot, em observĂąncia aos princĂpios da solidariedade, da universalidade e da diversidade da base de custeio, a Constituição dispĂ”e que a filiação ao RGPS Ă© obrigatĂłria, e, portanto, nĂŁo constitui faculdade do beneficiĂĄrio ou do sistema.
Regalias parlamentares
Durante o mandato, o deputado segurado paga R$ 3,7 mil por mĂȘs ao PSSC – parcela igual Ă quela paga pela CĂąmara. Isso representa 11% do salĂĄrio do parlamentar, que estĂĄ em R$ 33,7 mil. Se comprovar os 35 anos de exercĂcio de mandatos – federais, estaduais ou municipais – e 60 anos de idade, recebe aposentadoria integral, no mesmo valor do salĂĄrio de deputado. Segundo a lei atacada, parlamentares, ex-parlamentares e dependentes beneficiĂĄrios do PSSC podem receber benefĂcios atĂ© o valor do subsĂdio pago a deputados federais e senadores e, no caso de pensĂŁo, seu importe serĂĄ de, no mĂnimo, 13% do subsĂdio.
A mĂ©dia de aposentadoria recebida por um ex-parlamentar, se levados em consideração os que se aposentam proporcionalmente, Ă© de R$ 14 mil. Todo reajuste dos salĂĄrios de deputados e senadores Ă© repassado para as aposentadorias. ApĂłs a morte do parlamentar, os pensionistas (viĂșva ou os filhos atĂ© 21 anos) passam a receber a pensĂŁo.
Janot cita a disparidade das regras e do valor recebido entre um congressista e um trabalhador comum. “A concessĂŁo de benefĂcios previdenciĂĄrios com critĂ©rios especiais distingue indevidamente determinados agentes polĂticos dos demais cidadĂŁos e cria espĂ©cie de casta, sem que haja motivação racional – muito menos Ă©tica – para isso. Um cidadĂŁo comum, alĂ©m de contribuir por 35 anos, se homem, ou 30 anos, se mulher, deve completar 60 anos de idade, se homem, e 55 anos, se mulher, para aposentar-se pelo RGPS, cujo teto atualmente Ă© de R$ 5.531,31″, diz na ação ao STF.
Em 2015, 24 deputados se aposentaram, com benefĂcio mĂ©dio de R$ 18,4 mil. Nem todo o perĂodo de averbação Ă© aproveitado. Quando sobra tempo de contribuição, ou falta dinheiro ao deputado, acontece a “desaverbação” parcial ou total. Mais uma regra bastante flexĂvel do PSSC.
Dois anos de CĂąmara
O atual sistema permite casos extremos, como mostrou o Congresso em Foco em fevereiro. O deputado Manuel Rosa Neca (PR-RJ) chegou Ă CĂąmara como suplente, em janeiro de 2013. Cinco meses mais tarde, ingressou no plano de previdĂȘncia dos congressistas. Completou apenas dois anos de mandato como deputado federal. Com o aproveitamento (averbação) de parte de mandatos anteriores de vereador e prefeito em NilĂłpoles (RJ), alĂ©m de mais 26 anos de contribuição ao INSS, conseguiu a aposentadoria e recebe, hoje, R$ 8,6 mil.
Mas as regras do plano sĂŁo ainda mais permissivas. Um deputado pode se aposentar a partir de apenas um ano de exercĂcio do cargo, desde que faça averbaçÔes de outros mandatos ou contribuiçÔes ao INSS. O ex-deputado Junji Abe (PSD-SP) exerceu o cargo por apenas quatro anos, entre 2011 e 2015. Em janeiro de 2015, teve aprovadas pela CĂąmara a averbação de mandatos de deputado estadual, vereador e prefeito de Mogi das Cruzes que somavam 20 anos de exercĂcio desses cargos. O valor da averbação ficou em R$ 1,4 milhĂŁo. Em junho daquele ano, conseguiu ainda o aproveitamento de 12 anos de contribuiçÔes ao INSS. Fechou 24 anos de mandatos e assegurou uma aposentadoria de R$ R$ 23 mil.
Fonte: http://congressoemfoco.uol.com.br
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