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OPINIÃO: O que a Ilíada pode nos ensinar sobre a relação professor-aluno?

Henrique Fróes e Gabriele Cornelli
HENRIQUE FRÓES E GABRIELE CORNELLI

O ano letivo, como é tradição, só tem início para valer depois de findo o carnaval. Para quem, como nós, dedica-se à docência, é hora de voltar às salas de aula e encarar a tarefa hercúlea de formar as novas gerações. A pedagogia nos ensina que o sucesso do aprendizado depende, dentre outros fatores, do tipo de relação que se estabelece entre o aluno e o professor. O vínculo que resulta dessa relação é determinante para a promoção do desejo de aprendizagem nos estudantes, sem o qual todo processo de ensino tende ao fracasso.

Os clássicos nos oferecem excelente material para uma reflexão sobre a relação professor-aluno. O tema está presente, inclusive, no texto fundador da literatura ocidental. O nono canto da Ilíada, por exemplo, nos traz a figura de Fênix, tutor de Aquiles e membro da comissão enviada ao herói grego com o objetivo de fazê-lo retornar à batalha contra os troianos. Eles levavam promessas de recompensas para aplacar a ira de Aquiles, desencadeada pela perda da pose da bela Briseida.

É curiosa a história de Fênix: era filho de Amintor, um nobre grego que desprezava a esposa legítima por causa da amante. A mulher ultrajada pede ao filho que se deite coma rival, para que, assim, o marido passe a desprezá-la e cesse a relação extraconjugal. Fênix assim o faz; o pai, por vingança, pede então aos deuses que Fênix se torne incapaz de gerar um filho. Após refrear o desejo de matar o pai, Fênix abandona o palácio e acaba sendo acolhido no reino de Peleu, pai de Aquiles, que lhe confia a educação do filho.

Afetos positivos e negativos

Fênix toma o pupilo como um verdadeiro filho: “de coração te amei” – ele lhe diz, indicando para nós a necessidade do envolvimento afetivo do mestre para o estabelecimento do vínculo com o aluno. Sob seus cuidados, o jovem herói aprende aquilo que se esperava de um nobre grego: a perícia nos combates e o talento oratório para os debates na ágora, ou seja, uma formação que lhe qualificasse enquanto guerreiro e cidadão.

O mestre relembra, em uma bela passagem, como o jovem Aquiles recusava-se a participar dos banquetes antes que, sentado nos joelhos do tutor, esse lhe servisse um pedaço de carne e um gole de vinho. Essa imagem nos revela o caráter íntimo e acolhedor dessa relação: é preciso pegar o aluno “no colo”, estabelecendo uma proximidade capaz de despertar nele a confiança no professor e de criar uma sensação de conforto e segurança.
Reprodução
Sob os cuidados de Fênix, o jovem Aquiles aprende o que se esperava de um nobre grego

Ao mobilizar os afetos dos sujeitos, a relação professor-aluno desperta também os sentimentos negativos e destrutivos. Fênix nos alerta para esse fato: frequentemente, ele recorda, a rebeldia fazia com que Aquiles cuspisse nele o vinho, manchando-lhe a túnica. “Muitas coisas passei por ti, muito sofrimento”, diz o mestre ao pupilo. As palavras de Fênix não parecem ter um tom de censura, mas de resignação: aos que aspiram à posição de educador seria necessário ter a capacidade de suportar a agressividade que lhe será dirigida, entendendo-a como algo inerente a esse tipo de relação.

Autonomia e respeito

Ao fim do episódio, Fênix falha em sua tentativa de persuadir Aquiles a superar sua ira e voltar à batalha ao lado de seus aliados. Mas, mesmo discordando do antigo mestre, o herói grego trata-o com toda a referência, convidando-o para passar a noite em seu acampamento e dando-lhe “boa coberta, peliça de ovelha, lençol de linho fino”. Eis o resultado de uma educação bem-sucedida: o discípulo ganha autonomia, é capaz mesmo de se opor ao mestre, mas carrega para sempre o respeito e o carinho para com aquele que lhe ensinou. Nada poderia ser mais gratificante para Fênix e é o que todos nós, professores, devemos aspirar como o fim ideal de nosso trabalho.

Fonte: http://congressoemfoco.uol.com.br

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