Desafios no MEC vão de entraves no Congresso à terra arrasada na burocracia
Sede do Ministério da Educação, em Brasília-DF. |
Depois da saída tumultuada de Carlos Alberto Decotelli, que foi nomeado mas não chegou a tomar posse, o presidente Jair Bolsonaro avalia candidatos à sucessão no Ministério da Educação (MEC). A agenda da educação, entretanto, não espera o presidente. Estão sendo tomadas decisões importantes sobre temas como o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e uma série de projetos emergenciais para enfrentamento dos efeitos adversos da pandemia de covid-19.
A saída de Abraham Weintraub após uma gestão marcada pelo embate deixou muitas pontas soltas no Ministério. Uma das mais importantes é a data da realização do Enem 2020. Desde o início da pandemia, Weintraub apresentou forte resistência ao adiamento da prova e buscou a manutenção das datas até o último minuto. Após pressão do Congresso, o governo cedeu e resolveu adiar o exame. Na quarta-feira (8), o MEC, comandado interinamente pelo secretário-executivo Antonio Paulo Vogel, anunciou que o Enem será realizado entre janeiro e fevereiro de 2021.
No entanto, as datas de realização da prova não são o único desafio do Enem; é preciso definir ainda a logística de aplicação da prova, resolver questões orçamentárias e compatibilizar as datas com o início dos semestres letivos nas instituições de ensino superior.
Agenda no Congresso
Em outra frente, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), garantiu que a proposta que renova o Fundeb será pautada pela Câmara na próxima semana. A renovação da principal fonte de financiamento de estados e municípios vem sendo discutida há muitos meses e deputados avaliam que sua votação é premente. Com ou sem ministro da Educação, o governo participa dos debates através da Casa Civil, do Ministério da Economia e de técnicos do MEC.
Há outros assuntos a serem resolvidos no Congresso Nacional, ambiente onde Weintraub colecionou inimizades e derrotas. O movimento Todos pela Educação divide essa agenda em quatro seções: organização do calendário e dos serviços educativos durante a pandemia; socorro fiscal para evitar colapso das redes de ensino; coordenação e condições básicas de retorno às aulas presenciais; e governança e financiamento permanente da educação básica.
Para João Marcelo Borges, diretor de estratégia política do Todos pela Educação, a agenda legislativa da educação precisa avançar. Entre essas iniciativas, estão a criação do Sistema Nacional de Educação (SNE), a suspensão da quantidade mínima de dias letivos e uma lista de projetos emergenciais para enfrentar os efeitos da pandemia. Desse último grupo, são citados o PL da educação conectada, a aplicação do Fust para fornecer conectividade a alunos em vulnerabilidade econômica e o socorro financeiro específico para educação de estados e municípios por conta da queda de arrecadação.
“Toda essa agenda legislativa precisa encontrar no governo, para além dos responsáveis pela articulação política e do Ministério da Economia, um interlocutor setorial da educação”, avalia João Marcelo Borges. Para ele, essa articulação auxilia na negociação entre Congresso e Executivo e impulsiona o avanço das pautas do setor.
Para o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), ex-presidente do FNDE e ex-secretário de Educação do Ceará, em meio à pandemia do novo coronavírus, o Brasil enfrenta duas novas crises: uma política e uma na educação. “Contrata assim num momento mais inoportuno, quando a gente não avalia o custo social do que é um país sem liderança na educação num momento desse”, disse Alencar. Segundo ele, o Brasil está isolado no mundo sem ministro nem diretrizes para a educação.
Com a crise mundial de saúde, outros países prontamente suspenderam exames similares ao Enem e ampliaram as redes de internet para educadores e estudantes. Alguns exemplos de experiências internacionais são a negociação de pacotes de dados para conteúdos escolares e o fornecimento de cursos de formação digital para docentes.
João Marcelo Borges considera importante que o ministério estabeleça diretrizes básicas para o período de volta às aulas. “Claro que o país não vai ter um modelo único de aplicação universal, mas, sobretudo para aqueles estados e municípios mais vulneráveis, com menor capacidade institucional, o MEC precisa cumprir sua obrigação constitucional de oferecer assistência técnica e financeira de maneira supletiva”, disse ele.
O professor Israel Batista (PV-DF), secretário-geral da Frente Parlamentar Mista da Educação, entende que o maior desafio do novo ministro vai ser apresentar o projeto de educação do governo Bolsonaro. “Até aqui o único projeto apresentado, especialmente pelo ministro Weintraub, foi o projeto de desmoralização, de ataque e de conflito, um projeto que não constrói, que apenas destrói”, avalia.
Integrantes da Frente Parlamentares da Educação são unânimes em dizer que o novo ministro terá que dispor de capacidade de diálogo, principalmente com o Congresso Nacional e com os secretários estaduais e municipais de Educação. “A disposição para o diálogo vale mais do que o pós-doutorado”, disse o deputado Idilvan Alencar.
Terra arrasada
Desde a gestão Weintraub, servidores da pasta relatam perseguição ideológica e um clima de terra arrasada no Ministério da Educação. O clima tóxico no ambiente de trabalho levou ao afastamento de funcionários, dos quais alguns optaram pela transferência para outros órgãos. A avaliação nos bastidores é de que Weintraub não montou uma equipe de trabalho, mas um campo de batalha, em que os grupos não se entendem e há grandes dificuldades de entrosamento.
Essa estrutura interna preocupa educadores, para os quais o MEC foi relegado à condição de cabide de emprego de apoiadores mais estridentes do presidente. Ao comparar com o PT, que também dispunha de uma militância aguerrida, críticos observam que o partido de esquerda não costumava alocar esses militantes em ministérios centrais, a exemplo do que faz Bolsonaro.
Uma fonte que preferiu não se identificar afirma que há também uma atmosfera de espionagem na pasta. Segundo relato feito à reportagem, um assessor especial do ex-ministro Weintraub manifestou preocupação com o fato de que um garçom do Ministério era filiado a uma organização de esquerda.
Profusão de nomes
Na lista de cotados para assumir o MEC constam mais de dez nomes. Há uma disputa aberta entre as alas do governo – ala militar, ala ideológica (ligada a Olavo de Carvalho), ala técnica e ala evangélica. Para João Marcelo Borges, do Todos pela Educação, o presidente permitiu, talvez não intencionalmente, um leilão público do MEC. “Aparentemente qualquer nome que surgir já surge muito enfraquecido, porque não tem nenhum que represente todos os grupos, que são antagônicos, com poucas agendas comuns”, disse.
Foi o que aconteceu com o secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, cujo nome foi descartado poucos dias depois de despontar como favorito ao posto. Sua indicação chegou a ser dada como certa no fim da semana passada, mas depois de sucessivos ataques do grupo ligado a Olavo de Carvalho, Feder disse ter declinado o convite do presidente.
Entre os que seguem cotados, estão o reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia, o atual secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, a secretária de Educação Básica do MEC, Ilona Becskehazy, e o reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Aristides Cimadon. Também é apontado para o cargo Marcos Vinícius Rodrigues, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), engenheiro e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Segue na lista o advogado Sérgio Sant´Ana, que já foi assessor do MEC. Outra possibilidade seria efetivar o atual interino, Paulo Vogel.
“Quando você tem muitos nomes, você não tem nenhum. Isso especificamente mostra que há, dentro do governo, uma falta de consenso sobre quem deve ser o substituto e a concorrência grande entre as correntes políticas”, entende o cientista político Creomar de Souza, CEO da Dharma Political Risk and Strategy. Para ele, há uma dificuldade do governo em estabelecer uma agenda de políticas públicas em várias áreas, não só na educação.
Deputados avaliam que seria um avanço se o nome não for ligado ao grupo olavista, mas consideram fundamental que haja respaldo político do presidente para o escolhido, dando como certos os ataques que virão das outras alas. Para o diretor do Todos pela Educação, será preciso afastar ou, pelo menos, neutralizar os grupos radicais. “Sem isso, o MEC continuará um foco de tensão e um berço de crises para o governo”, disse João Marcelo Borges.
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