Nível de corrupção das prefeituras é alarmante, diz promotor de Justiça de CZS
Ele é contundente nas críticas aos maus gestores e não aceita desculpas
para justificar o alto índice de corrupção nas prefeituras do Estado. “A
falta de preparo é o argumento utilizado pelos gestores para justificar
a má aplicação dos recursos públicos, mas fingem esquecer que a
verdadeira democracia é a que desempenha suas funções estatais de forma a
atender os princípios da boa administração, ou seja, a legalidade, a
moralidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência”, observa o
promotor de justiça Rodrigo Fontoura de Carvalho, que atua na promotoria
de Cruzeiro do Sul, onde tem um trabalho voltado para o combate à
corrupção no Vale do Juruá que empreende à frente do Ministério Público
do Estado do Acre (MP/AC).
O Ministério Público vem atuando mais ou são os gestores públicos que estão cometendo mais “deslizes”, como o senhor interpreta esse aumento no caso de ações contra prefeitos, vereadores e demais gestores públicos na região do Juruá?
O senhor acha que falta algum tipo de conhecimento prévio aos gestores para gerir os recursos públicos?
O promotor revela que as irregularidades mais comuns são as fraudes de
licitação, quase sempre com o objetivo de privilegiar empresas de
parentes e amigos. Mas há casos estarrecedores de prefeitos que usam
cheques da prefeitura para fazer compras pessoais, e outros que dão
cheques sem fundos. E ele é enfático: “Parece que a carreira política
tornou-se balcão de candidatos que buscam um lugar para lesar o
patrimônio público e desviar recursos públicos”.
Ele destaca o empenho da Procuradora-Geral Patrícia de Amorim Rêgo em
garantir o trabalho do MP/AC no combate à corrupção. Diz que a atuação
do Ministério Público hoje é mais significativa porque caminha junto com
a sociedade. Rodrigo também reforça que o acesso à informação ao
promotor de justiça é algo que dá uma confiança ao denunciante e
valoriza a carreira ministerial. Hoje, o MP/AC tem diversas ações de
improbidade administrativa em andamento, recomendações e vigilância
quanto à prática de nepotismo. “O Ministério Público e a sociedade estão
atentos” ressalta.
Sobre a corrupção no país, o promotor destacou que o grande problema a
ser vencido é a linha divisória entre o público e o privado, “cada dia
mais invisível”. O dinheiro público torna-se dinheiro de ninguém e
facilita os desvios, acredita ele. A probidade administrativa, segundo
ele, é a essência da democracia. “O gestor escolhe seu instrumento de
trabalho: o que é moral ou imoral, o que é ético ou não-ético.”
Nesta entrevista exclusiva, ele também conta por que escolheu trabalhar
no Ministério Público “O Ministério Público é uma carreira apaixonante,
em que temos a oportunidade de tentar mudar o modo como são conduzidas
as práticas ilícitas. Trabalhar em prol da sociedade é algo que exige
muita responsabilidade, boa-fé e transparência”. Veja mais na
entrevista que se segue:
O Ministério Público vem atuando mais ou são os gestores públicos que estão cometendo mais “deslizes”, como o senhor interpreta esse aumento no caso de ações contra prefeitos, vereadores e demais gestores públicos na região do Juruá?
Há uma proposta de estratégia de trabalho do próprio Ministério Público do Acre no combate à corrupção.
Na Promotoria em que atuo em Cruzeiro do Sul, há um empenho nesse
combate, tendo em vista a quantidade de denúncias que são manifestadas
no intuito de frear essa prática ilícita de gestores que consideram o
recurso público como se fosse patrimônio pessoal.
O Ministério Público visa defender os interesses da sociedade e cabe a
ele fiscalizar e exigir que as políticas públicas sejam executadas em
prol da população. Não podemos aceitar que o desvio de recursos públicos
prejudique a vida das pessoas e das futuras gerações.
Considero que atualmente há uma má fé dos gestores em dirigir os
recursos públicos, exigindo dos órgãos de fiscalização uma atenção e um
trabalho sistemático da exigência de aplicação dos recursos públicos de
forma devida e lícita.
Todos os órgãos de fiscalização devem trabalhar conjuntamente para
inibir essa prática ilícita. O Ministério Público de Cruzeiro do Sul tem
procurado trabalhar em parceria com a Polícia Federal, o Tribunal de
Contas do Acre, bem como tem oficiado a Corregedoria Geral da União para
que o trabalho seja intenso e eficiente no combate à corrupção no Vale
do Juruá.
O Ministério Público vem exigindo, por meio de recomendações, ofícios e
audiências, que o portal da transparência seja efetivamente instalado
para que a população também nos auxilie a acompanhar os trabalhos dos
representantes eleitos, bem como o Ministério Público considera de suma
importância a criação de uma Delegacia ou Núcleo de Polícia Civil do
Estado do Acre especializado no combate aos crimes contra a
Administração Pública.
O senhor acha que falta algum tipo de conhecimento prévio aos gestores para gerir os recursos públicos?
Entendemos que a gestão pública é complexa, há uma demanda de exigências
legais que devem ser executadas para que os recursos públicos sejam
aplicados de forma honesta, eficiente e zelosa.
A falta de preparo é o argumento utilizado pelos gestores para
justificar a má aplicação dos recursos públicos, mas fingem esquecer que
a verdadeira democracia é a que desempenha suas funções estatais de
forma a atender os princípios da boa administração, ou seja, a
legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Daí
ser válido enfatizar que a probidade administrativa é a essência da
democracia.
O Ministério Público considera que todos os órgãos públicos oferecem
informações e orientações para que os gestores trabalhem dentro da
legalidade. A nossa avaliação é que o gestor escolhe seu instrumento de
trabalho: o que é moral ou imoral, o que é ético ou não-ético.
Em alguns casos houve até prisões de prefeitos e vereadores. Por que
essas ações foram necessárias? Quais as medidas que serão adotadas a
partir de agora?
O Estado Democrático de Direito é vivenciado buscando atender os
objetivos da República: a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, a
redução das desigualdades e a promoção do bem-estar de todos. (CF, art.
3º).
Os pressupostos para que a garantia de que os direitos sejam garantidos é
a existência de uma gestão proba, que zele pelo patrimônio público, e
que os princípios da administração sejam plenamente atendidos.
Estávamos em situação que no direito penal chamamos de flagrante, crimes
ocorrendo, não existindo outra medida de combate a ser aplicada do que a
prisão desses gestores.
O Ministério Público trabalha com o caso concreto. Há uma proposta de
trabalho da Promotoria de Cruzeiro do Sul em conjunto com a Polícia
Federal de combate à corrupção no Vale do Juruá. Assim, nossa estratégia
tem sido intensa, como se pode visualizar nas últimas operações
realizadas.
Constatamos que em alguns casos existe um silêncio e uma lamentável
subserviência do Legislativo e dos Conselhos municipais ao Poder
Executivo. Desse modo, nossa linha de trabalho é garantir que o
exercício da função pública exercida pelos gestores seja em favor de uma
sociedade mais justa, digna e na aplicação honesta e legal dos recursos
a ela destinados.
Nesses casos de corrupção e má gestão de recursos públicos, sempre
existe uma sensação de impunidade por parte da população. Com essas
prisões o senhor acha possível garantir à população que aquele gestor
será de fato punido? Como é possível dar esse retorno às pessoas?
O Ministério Púbico, a Polícia Federal e os outros órgãos de
fiscalização estão dedicados que os recursos não aplicados sejam
restituídos aos cofres públicos. Trabalhamos intensamente e com o mesmo
propósito para que tudo ocorra com o resultado positivo para a
sociedade. Dependemos agora de um judiciário comprometido e justo que
tenha também a mesma visão que a nossa: de garantir para a sociedade o
que é de direito. A resposta nesse momento a ser dada para a sociedade
está nas mãos do judiciário. Combater a corrupção e o crime do
colarinho-branco tem de ser a prioridade. E o Judiciário tem demonstrado
mais eficiência e efetividade nas ações de improbidade e de combate à
corrupção. Fizemos e oferecemos ao Judiciário todos os mecanismos
processuais, cabe a ele julgar e decidir a favor ou contra a sociedade.
Como diz uma clássica frase: “que a justiça seja feita”.
Corrupção é invariavelmente um tema complexo de ser tratado, uma vez
que cada pessoa pode incorrer ou ter incorrido em algum ato corrupto,
seja grande ou pequeno. Como o senhor aborda essa questão?
Corrupção resume-se, a grosso modo, a atos desonestos. Para praticá-los
há necessidade de obter ilicitamente vantagem pessoal e fazer uso do
dinheiro público para o seu próprio interesse, do suborno, da concussão,
ou do abuso de poder.
Como representante do Ministério Público não aceito a alegação
usualmente utilizada pelos gestores de que não teve conhecimento da
ilicitude do ato, de que não houve orientação de alguém ou órgão
específico, se nos casos investigados se constata que as práticas são
realizadas para lesar ou desviar o patrimônio ou recursos públicos, para
favorecer interesse pessoal ou de terceiro. A experiência tem
demonstrado que o golpe geralmente consiste na emissão de notas fiscais
fictícias ou “frias”, produtos e serviços superfaturados, serviços não
executados e produtos não entregues, funcionários “fantasmas”,
nepotismo, licitação dirigida para uma empresa “amiga, uso de documentos
falsos, e outros tantos expedientes utilizados por verdadeiros
especialistas em fraudes.
A corrupção é banalizada no dia-a-dia. Parece que as pessoas entram
na vida política para se dar bem. O que falta? Noções de cidadania, de
coletividade e de respeito aos direitos do país?
Parece que a carreira política tornou-se balcão de candidatos que buscam
um lugar para lesar o patrimônio público e desviar recursos públicos.
Há na mentalidade dessas pessoas a sensação de impunidade. Nessa semana
que passou, estive em Brasília participando de um curso de
aperfeiçoamento oferecido pelo Ministério da Justiça sobre lavagem de
capitais, em que muito sabiamente o palestrante e Juiz Federal Odilon de
Oliveira, aquele que mora em Mato Grosso do Sul e já condenou centenas
de traficantes internacionais e que combate a corrupção, vivendo sob
escolta da polícia federal relembrou bem que o direito penal foi escrito
para socorrer a elite, não tratando todos de forma igual, pois temos
hoje um crime de furto qualificado com pena de 2 a 8 anos, enquanto um
crime de fraude em licitação é de 2 a 4 anos. Isso significa na prática
que se o cara pular o muro da sua residência e furtar uma bicicleta
velha será condenado numa pena maior do que aquele que frauda uma
licitação de milhões. Esse triste quadro é a causa da pobreza do país e
das cidades, pois estimula a corrupção e arruína os serviços públicos.
Também foi abordado o chamado crime de efeitos difusos que são aqueles
que atingem toda a sociedade como narcotráfico, corrupção, evasão de
divisas e lavagem de dinheiro,
Entendo que falta uma postura política de construir mecanismos jurídicos
que realmente garantam a punição e a transparência das práticas do
gestor. Precisamos avançar no exercício da cidadania e no combate a
corrupção.
Só para exemplificar, a corrupção na área da saúde encurta a vida das
pessoas, na educação prejudica o desenvolvimento intelectual dos jovens,
privando-o de ter uma chance de um futuro melhor.
Em sua visão, o Brasil adota as medidas necessárias para combater a
corrupção e ilícitos relacionados? Se não, quais medidas deveriam ser
encaminhadas? São tantos maus gestores e há casos estarrecedores pelo
país que parece que se tem que ensinar como administrar. Isso realmente
se ensina na sua opinião?
O Brasil trabalha com leis que não conseguem acompanhar a necessidade da
sociedade. A evolução tecnológica, o acesso à informação em tempo real
estão além do nosso ordenamento jurídico.
Estamos nesse mundo para resolver problemas e aprender a cada dia.
Temos que estar dispostos a contribuir e tentar esforçar-se para o
exercício da função que nos foi delegada. O perfil é algo que se
constrói com o estudo, a experiência do dia a dia e a parceria com
órgãos e equipes técnicas. Ninguém trabalha ou vive sozinho,
necessitamos da interação com o outro, assim podemos construir um
planejamento estratégico de trabalho que garanta o desenvolvimento do
que propomos realizar.
E como é atuar numa região como o Juruá? Quantas ações por improbidade administrativa e quantas por nepotismo?
Atuar no Vale do Juruá é desafiador, pois temos uma demanda de denúncias
que exigem muita cautela, investigação e estudo para exercer a atuação
ministerial de forma justa e dentro da legalidade. O que favorece a
atuação do Ministério Público é que hoje temos um órgão que caminha
junto com a sociedade, nossa atuação é mais significativa para a
sociedade do que em anos passados. O acesso à informação, ao promotor de
justiça é algo que dá uma confiança ao denunciante e valoriza a
carreira ministerial.
Temos diversas ações de improbidade administrativa em andamento,
recomendações e vigilância quanto a prática de nepotismo. O Ministério
Público e a sociedade estão atentos.
O senhor já se sentiu ameaçado?
Iniciei minha vida profissional como agente da polícia civil do Estado
do Distrito Federal, logo depois logrei êxito no concurso de delegado da
Policia Civil do Estado de Goiás. Trabalhei por anos no entorno de
Brasília, local considerado o mais violento do país, tive a rica e
enriquecedora experiência em lidar com situações na área criminal que de
certa forma contribuíram para exercer o atual cargo. Não me sinto
intimidado por comentários ou noticiários jornalísticos explanados por
pessoas que se sentem atingidas pela atuação ministerial. Vejo isso como
uma atitude desesperadora de quem deve e quer mascarar o malfeito
cometido.
O que representa para o senhor a atuação do Ministério Público?
O Ministério Público é uma carreira apaixonante, em que temos a
oportunidade de tentar mudar o modo como são conduzidas as práticas
ilícitas. Trabalhar em prol da sociedade é algo que exige muita
responsabilidade, boa-fé e transparência. O representante do Ministério
Público deve ter o perfil de buscar mecanismos que garantam os direitos
fundamentais estabelecidos pela Carta Magna. Esse perfil muitas vezes
exige do profissional ter que se indispor com políticos, empresários,
gestores, entre várias outros, sendo indispensável para a carreira o
rigor da disciplina, da honestidade, da impessoalidade. Entenda-se que
não temos nada de cunho pessoal contra as pessoas, nossa função é
garantir o Estado democrático do direito e, dessa forma, temos que atuar
e exigir o cumprimento da lei.
Após a recente Operação Humaitá, que ocorreu na cidade de Porto Walter,
foi postado num site acreano algo que chamou muita atenção, pois
representa o meu compromisso como pessoa e representante do Ministério
Público: “Em outras palavras, Polícia Federal e Ministério Público não
estão apenas efetuando prisões, nem mesmo apenas ‘varrendo a corrupção’.
Estão plantando no coração do povo a semente da esperança de um dia
vivermos em um país livre desse câncer: a corrupção”.
Fonte: http://pagina20.uol.com.br
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