As propostas inusitadas (e nada úteis) de deputados
Parlamentares querem ensino de tupi nas escolas, airbag para motoqueiros e Dia Nacional do MMA. Projetos demonstram incompreensão sobre próprio papel
Congresso Nacional, em Brasília
(Fernando Bizerra Jr./EFE)
No presidencialismo brasileiro, a maior pauta de votações da Câmara se
resume a medidas provisórias e projetos de lei patrocinados pelo
governo. Sim, os deputados também têm suas ideias - mas muitas delas
estão bem longe do objetivo de tornar o Brasil mais justo e eficiente.
Um olhar atento sobre os projetos que circulam nos subterrâneos da Casa
mostra como os parlamentares interpretam mal a função legislativa. Num
país atolado por uma quantidade infindável de leis municipais, estaduais
e federais, parte dos deputados vê o ofício como a missão de aprovar
mais medidas inexplicáveis e, com isso, criar mais proibições
desnecessárias. Discretamente, muitas passam pelas comissões e chegam à
votação no plenário.
A deputada Janete Pietá (PT-SP) é um exemplo revelador. Tal qual o
personagem de Lima Barreto, a petista acredita que o currículo das
escolas precisa incluir aulas de línguas indígenas. A medida, sonha a
parlamentar, "irá despertar nas novas gerações o interesse do
aprofundamento da cultura indígena, o respeito pelas comunidades
afastadas, a valorização de seus direitos".
Vinicius Carvalho (PTdoB-RJ) caprichou. Apresentou em 2009 um projeto
de lei que obrigaria as emissoras de TV a exibir, diariamente,
reportagens sobre o funcionamento do Congresso Nacional. Para o
deputado, a TV Câmara, a TV Senado e A Voz do Brasil são
insuficientes. Na justificativa, Vinicius expõe seus ressentimentos:
"Apesar de todas as atividades parlamentares desenvolvidas, os trabalhos
realizados pelos congressistas não têm recebido o devido destaque junto
às emissoras comerciais de televisão". Carvalho, que não conseguiu se
reeleger em 2010, pediu, ele mesmo, a retirada da proposta de
tramitação.
Recém-promovido a ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB)
demonstrou criatividade em sua passagem pela Câmara. Ele elaborou uma
proposta que tornaria obrigatório para os motoqueiros o uso de um colete
inflável, uma espécie de air bag. Nelson Bornier (PMDB-RJ),
por sua vez, quer que todos os ônibus de linha do país tenham janela de
vidro refletivo (espelhado). "De pronto, passageiros e condutores terão
maior conforto térmico no interior dos veículos, independentemente do
uso de ar condicionado", justifica o parlamentar.
Enquanto isso, donos de imóveis com piscina podem ter que construir
grades de 1,20 metro de altura em volta da água. A ideia de Jefferson
Campos (PSB-SP) valeria para as piscinas públicas e particulares. O
parlamentar estabeleceu com detalhe as medidas necessárias para a grade,
"de forma que impeça a passagem de crianças e animais".
Datas - Outra tarefa pela qual os deputados têm apreço
é a criação de datas comemorativas. Como se torna cada vez mais difícil
achar uma categoria que não tenha sido contemplada, é preciso ser
criativo. No ano passado, por exemplo, os parlamentares propuseram a
criação do dia da Ação Paramaçônica Juvenil, da Aquicultura, da Oração,
Celebração e Adoração a Deus, da Paz e da Conciliação, da Planta
Medicinal, das Artes Marciais, do Capelão Evangélico Civil e Militar, do
Corista, do Perdão, do Samba de Roda e do MMA - este último, ideia do
ex-campeão de boxe Acelino Popó Freitas (PR-BA).
Distorção - As iniciativas inusitadas dos
parlamentares são reveladoras de um mal que atinge os legisladores no
país: a tese de que a solução de todos os problemas, mesmo os mais
simples, passa pela criação de leis e pelo aumento do poder estatal. São
deputados que se comportam como se fossem 'vereadores federais'.
"Muitos deputados ou senadores chegam e fazem proposições tentando
apresentar sugestões que vêm da população", diz o cientista político
Antônio Flávio Testa. "Outros simplesmente têm ideias esdrúxulas. De
qualquer forma, dificilmente esses projetos chegam ao plenário". De
fato, essa é uma irônica consequência positiva da cooptação do Congresso
pelo Executivo: como a Câmara e o Senado se transformaram em apêndices
do Planalto, aprovando apenas propostas de interesse do governo, os
projetos de lei esdrúxulos tendem a adormecer eternamente nas gavetas do
Parlamento.
Fonte: http://veja.abril.com.br
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